A
casa não era tão velha, era uma casa dessas normais, com sala, quartos, um
banheiro simples, mas em boa condição de uso. Uma varanda que dava de frente
pra uma árvore que pela aparência já estava bem velha, mas se a olhássemos bem
de perto poderíamos notar que alguém havia ali deixado alguma declaração de
amor. A cozinha era a melhor parte da casa, bem extensa, suas paredes eram manchadas
pela fumaça do fogão à lenha e uma prateleira, deixada pelos antigos moradores,
não parecia ter utilidade alguma pra minha mãe.
Meu
pai não pensou duas vezes pra fazer o negócio, por ser uma casa boa e o quintal
grande o bastante pra que nossos animais pudessem ficar a vontade e nós
brincássemos do jeito que gostávamos. Pra ele era o que importava. Pra mim
aquela casa era bem aconchegante, mas no fundo sentia como se alguma coisa
estivesse fora do normal. Quando entrei no quarto, que era destinado a mim,
notei que em um canto da parede havia um armário que era de uma aparência velha
e que deveria ter pertencido a uma garota, pois tinha corações desenhados, frases
bem românticas e juras de amor eterno, enfim coisas de menina apaixonada. Não
esperei nem mais um segundo e abri aquele armário. Poeira era o que mais tinha
lá dentro. O que me chamou a atenção foi um saco plástico que estava dentro do
armário. Confesso que a principio fiquei com medo de abrir, mas tomei coragem e
coloquei as mãos naquele embrulho que parecia estar ali há um bom tempo.
Aos
poucos fui desfazendo o nó, e quando consegui abrir, encontrei um cobertor azul
bem conservado, só que tomado pela poeira do tempo. Por que será que alguém
deixaria um cobertor guardado ali dentro? Será que teria esquecido? Qual seria
o motivo dele estar ali tão bem guardado? Perguntas sem respostas foram
surgindo em minha cabeça e eu, com medo misturado com curiosidade, só queria
desvendar aquele mistério. Comecei abri- lo aos poucos. Parecia que algo estava
guardado em seu interior. Seria uma carta? Um bilhete? Um convite? Era só mais
curiosidade surgindo em minha cabeça. Mas o que realmente encontrei ali foi uma
caixinha de papel que, para minha infelicidade, estava colada. Deveria ter algo
ali dentro, mas eu jamais poderia invadir a privacidade de alguém que eu nem
conhecia. Preferi deixar tudo no mesmo lugar e esquecer o que tinha acontecido.
Mas será que eu conseguiria?
Naquele
momento meu pai nos chamou pra sala e, quando todos já estavam reunidos, ele
nos perguntou se estávamos gostando da nova casa. Minha mãe, logo de cara, já
disse que tudo estava do jeito que ela queria. Meus irmãos por sua vez, só
falaram da diversão que para eles era o que mais importava naquele momento. Mas
e eu? Bem, eu disse que estava gostando demais, afinal eu estava com um
mistério para desvendar, como não poderia gostar? Meu pai satisfeito com nossa
felicidade, disse que aquela casa era de uma família bem estruturada, composta
de pai, mãe, filho e filha que, por um motivo de discórdia entre vizinhos,
foram obrigados a mudarem dali. Nesse momento minha curiosidade foi muito mais
além. Perguntei a ele se ele saberia ao certo o motivo da discórdia e ele
simplesmente disse que foi coisa boba, coisa de amor. A filha deles se
apaixonou pelo filho do meio do vizinho e eles não permitiram o amor dos dois.
A menina entrou em uma tristeza profunda e eles acharam melhor ir embora. Eu me
vi em uma situação difícil. Abriria a caixinha ou deixaria isso de lado? Sempre
que entrava no quarto e olhava aquele armário a vontade aumentava ainda mais,
mas aquilo não era certo.
Em
uma tarde fresca sentada na varanda da casa olhei aquela velha árvore e senti
como se ela me chamasse. Quando vi já estava
em frente a ela. Lá encontrei um coração com uma cobertura grossa da árvore,
mas que se olhasse com jeito daria pra entender o que estava escrito. A frase
era essa “Pra onde eu for serei sempre seu amor”. Fiquei pensativa com a frase
e fui correndo até meu quarto e, sem pensar, abri a caixinha que estava
enrolada no cobertor. Dentro havia uma carta que dizia: “Não será fácil pra mim
te perder, não suportarei viver sem você. O que eles pensam sobre nós não tem
nada a ver. Meu pedido não sei como chegará até você, mas sei que estou
partindo e meu fim será morrer. E como lembrança do meu amor, deixo meu
cobertor pra você”.
Confesso
que perdi o chão, aquele pedido estava em minhas mãos e naquele momento teria
que tomar a decisão mais importante da minha vida. E assim eu fiz. Procurei meu
pai o mais rápido e contei toda a história a ele. A princípio ele não ficou
convencido, mas em meio às provas ele começou a entender. Fomos até o vizinho,
mas quando chegamos lá o pior já havia acontecido. A notícia que chegou foi que
a menina havia cometido suicídio, pois o amor que ela sentia pelo rapaz a
consumia dia após dia. Resolvi cumprir a missão que me fora dada, entreguei o
cobertor a ele dizendo que aquela era uma lembrança deixada por ela. Ele com o
olhar tristonho, deixando cair uma lágrima dos olhos, beijou o cobertor e disse
bem baixinho: “descanse em paz, meu eterno amor”.
Jhorzilene Rodrigues
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